15/05/2011

Ser e Ter - Você já viu?



Ser e Ter é um documentário distante dos tradicionais. Não recorre ao esquema registro do real / entrevista / imagem de arquivo. O longa-metragem do cineasta francês Nicholas Philibert está bem próximo ao chamado ”cinema-verdade”, com a diferença de permitir algumas experimentações estéticas. Para registrar o relacionamento entre um professor e seus alunos em uma pequena escola na região rural da França, Philibert foge do lugar-comum e ousa estender o tempo com planos que focalizam objetos escolares, o balançar das folhas das árvores e o tanger do gado nas pradarias. Ser e Ter diz nas entrelinhas que nada melhor que o tempo para fortificar laços afetivos entre as pessoas, principalmente entre o aluno e o professor. Logo no início, duas tartaguras – símbolos da temporalidade – indicam a atmosfera que o filme seguirá.
Na pequena cidade de Auvergne, o professor George Lopez, 55, segue um método de ensino antigo e considerado em desuso: ele acompanha 13 crianças, do pré-escolar até o ensino fundamental. Em uma única sala, ele dá conta dos seus alunos com idades entre 3 e 11 anos. Lopez separa as lições conforme a faixa etária, dividindo a turma em três grupos. O professor acompanha individualmente cada aluno, seja em matérias de francês, matemática ou pintura. Munido de 35 anos de profissão, Lopez mantém uma desenvoltura natural diante da câmera e, mais ainda, no trato com as crianças, entre o rigor e a delicadeza de sua fala. Não levanta o tom de voz, mas fala diretamente, sem subterfúgios. Pela postura sincera, conquista o respeito e a confiança dos alunos.
Com uma índole dessa, fica até difícil imaginar que George Lopez acabou processando os produtores de Ser e Ter. Diante do sucesso de público e crítica inesperado do filme, o professor cobrou um cachê de 250 mil euros reivindicando co-autoria por, em seu entender, ser tema principal e ator do documentário. É óbvio que Lopez perdeu na Justiça. Se ganhasse, qualquer personagem de documentário teria garantido uma parcela dos lucros de bilheteria. Além disso, os verdadeiros protagonistas de Ser e Ter são as crianças. A câmera fixa boa parte do tempo nos rostinhos alegres ou decepcionados dos alunos.
O brilho do documentário está nas expressões das crianças, filmadas com intimismo e autenticidade perante suas inquietações. O pequeno notável Jojo, de 4 anos, encanta pela inocência e curiosidade. Distraído com os deveres de classe, o garotinho desobedece algumas regras impostas por Lopez e ainda participa de uma cena cativante com Marie, quando ambos tentam tirar fotocópias e acabam quebrando a máquina da escola. São momentos únicos, que retratam a infância no presente, sem fazer apologias à escola como futuro promissor. Pouco importa saber que modelo pedagógico está por trás do ensino do professor, mas sim evidenciar que tipo de relações humanas são construídas dentro da instituição.
Mesmo com a interferência inevitável da câmera, o documentário lampeja instantes reais. Não se trata de expor um ”filme-tese” sobre a educação. O documentário nem procura ser tão pretensioso assim. Ser e Ter compila fragmentos poéticos do relacionamento entre o adulto e a criança. O cineasta Nicholas Philibert prefere ser menos hermético e mais sensível ao simples. Ele força o espectador a observar os pequenos detalhes que fazem a diferença.
Resenha por Camila Vieira

Documentário Ser e Ter – Nicolas Philibert

Título Original:  Être et Avoir
Direção: Nicolas Philibert
Ano: 2002
Duração: 104 min
Origem: França
Tamanho 1.4gb

Nenhum comentário:

Postar um comentário